Residents look on as a patrol of Rwandan soldiers drives by in Quitunda Camp in Afungi, Cabo Delgado, on 22 September 2021. Simon WOHLFAHRT / AFP
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Conquistar a paz no norte em apuros de Moçambique

As tropas ruandesas e da Africa Austral ajudaram as autoridades a lutar contra uma insurgência islamista em Cabo Delgado, a província mais a norte de Moçambique. A ameaça foi bastante reduzida, mas persiste. Maputo irá precisar de mais apoio militar e de um empurrão para enfrentar as raízes políticas do conflito.

O que há de novo? Desde julho de 2021, tropas ruandesas e da Africa Austral foram destacadas na província moçambicana de Cabo Delgado, atenuando a revolta islamista que dura há quase cinco anos. Os insurgentes continuam no entanto a desestabilizar bolsas de território, e espalharam-se nas províncias vizinhas de Niassa e Tanzânia. Poderão eventualmente pedir cada vez mais apoio pela parte das redes do Estado Islâmico de Africa Oriental.

Porque importa? As tropas estrangeiras que trabalham com o exército moçambicano recuperaram parte significativa do território aos insurgentes e o dinheiro de doadores aliviou a população de Cabo Delgado, mas isso não chega para resolver um conflito resultante de queixas locais. Enquanto estas não forem tratadas, a insurgência irá persistir como fonte de insegurança regional.

O que deve ser feito? Os parceiros africanos de Moçambique deveriam pressionar Maputo a iniciar um diálogo com a implicação das elites políticas para estabelecer condições que consigam convencer os insurgentes a render-se. Enquanto os doadores aumentam seu auxílio na província, a União Africana deveria facilitar a cooperação regional a fim de desmantelar as redes regionais de revolta e procurar mais fundos para apoiar as operações militares.

 

I.  Resumo

Soldados do Ruanda e da Africa Austral ajudaram a conter a insurreição na província moçambicana de Cabo Delgado, que logo no início de 2021 se havia rapidamente transformado numa insurgência jihadista ameaçando a segurança regional. As forças externas, trabalhando com o exército moçambicano, afastaram os insurgentes de suas bases e recuperaram cidades chave. Enquanto muitos insurgentes desistiram de combater, pequenos grupos continuam a organizar ataques em partes da província, com centenas de milhares de pessoas deslocadas e inseguras. Os insurgentes também se aventuraram na província vizinha de Niassa, assim como na Tanzânia, gerando receios de que possam recorrer às redes do Estado Islâmico de Africa Oriental para obter mais apoio. Para evitar um conflito e uma crise regional prolongados, os parceiros de Moçambique deveriam pressionar Maputo a iniciar o diálogo com as elites políticas que têm influência em Cabo Delgado, de modo a estabelecer condições que possam incitar mais insurgentes a render-se. A União Africana (UA) deveria facilitar uma melhor cooperação regional para bloquear a ajuda financeira e material à insurgência pela parte dos núcleos do Estado Islâmico vizinhos. A UA deveria procurar mais financiamento internacional para apoiar as tropas estrangeiras.

Desde julho de 2021, mais de 3000 soldados do Ruanda e dos Estados membros da Comunidade de Desenvolvimento Sul Africana (SADC) inundaram Cabo Delgado, onde a revolta causou devastação, deslocando 800 000 pessoas no âmbito de um conflito que matou 3700 pessoas desde 2017. Num curto período, os soldados desmantelaram todas as principais bases dos insurgentes e recuperaram territórios importantes detidos pelos insurgentes. As forças ruandesas, operando no âmbito de um acordo bilateral com Maputo, garantiram a segurança na província de Afungi, onde a empresa francesa Total investiu num projeto de gás de vários milhares de milhões de dólares, e reconquistaram o porto estratégico de Mocímboa da Praia. A SADC, invocando um pacto regional de defesa mútua, destacou tropas no centro de Cabo Delgado e em direção à capital provincial de Pemba, assim como no distrito de Nangade perto da fronteira com a Tanzânia. Desalojaram os insurgentes de parte de seus bastiões, mas têm dificuldades em garantir a segurança dessas zonas.

Mas a revolta está longe de ser eliminada. Muitos combatentes misturaram-se com a população civil, aguardando a altura certa para se mobilizarem novamente. Pequenos grupos continuam a lançar ataques nas regiões do centro, costa e norte da província. A insurgência poderia facilmente vir à tona se as forças externas forem subitamente reduzidas.

Os doadores financiaram um aumento do auxílio para reconstruir as infraestruturas, restaurar os serviços públicos e ajudar os civis a retomar os seus meios de subsistência. Contudo, é improvável que essas despesas consigam por um termo às queixas específicas dos jovens que se juntaram a al-Shabab, nome sob o qual é conhecida a insurgência. O que os insurgentes querem, segundo fontes que os conhecem, é desempenhar um papel relevante na economia de Cabo Delgado, para poderem beneficiar das oportunidades criadas pelos importantes projetos de gás e mineração, e talvez participar nos canais de trafico da província, muitos dos quais são liderados pelas elites políticas. Se as motivações dos insurgentes não forem endereçadas, as raízes do conflito permanecerão por tratar.

Os insurgentes estão a encontrar modos de se adaptar à pressão militar do Ruanda e da SADC, avançando até à província vizinha de Niassa e lançando ataques na Tanzânia. Estão também a procurar utilizar mais dispositivos explosivos improvisados no campo de batalha. Os dirigentes receiam que os combatentes de al-Shabab procurem obter dinheiro e formação, incluindo em competências de fabrico de bombas, pela parte das redes do Estado Islâmico na Africa Oriental, tais como as baseadas na ponta norte de Puntland, na Somália, para prosseguir com suas campanhas. Como tal, a insurgência em Moçambique poderia ainda obter o apoio renovado das redes jihadistas regionais para sua campanha militar e tornar-se num terreno de ensaio para combatentes ameaçarem zonas dos países vizinhos, em particular nas fronteiras da Tanzânia. Se os insurgentes estabelecerem uma maior presença na Tanzânia, poderão também vir a reforçar laços com as Forças Democráticas Aliadas, uma afiliada do Estado Islâmico na República Democrática do Congo, que recruta combatentes estrangeiros da Tanzânia para suas fileiras e ajudou a formar os combatentes moçambicanos no passado.

Moçambique e seus parceiros regionais deveriam começar a pensar em como atingir a paz através de outros meios que operações militares e fundos para desenvolvimento, tendo em conta que essas medidas dificilmente poderão só por si acabar com o conflito. As autoridades deveriam trabalhar mais para criar incentivos para os insurgentes que possam ser convencidos a render-se ou a deixar núcleos dormentes. Os parceiros regionais de Moçambique, que também têm interesse em por um termo ao conflito, deveriam pressionar Maputo a iniciar o diálogo com as elites políticas locais e nacionais, que por sua vez terão de tomar decisões sobre como proporcionar aos insurgentes um futuro viável no contexto de explosão de recursos a decorrer em Cabo Delgado. As autoridades deverão contudo merecer a confiança do público em geral, alargando a ajuda ao desenvolvimento, mas o diálogo com os insurgentes poderia ajudar a criar uma atmosfera mais segura onde esses gastos se poderiam radicar e gerar ainda mais benefícios. Entretanto, as autoridades deveriam processar com vigor os membros de alto nível de al-Shabab já detidos.

Em cooperação com governos regionais, Maputo deverá também envidar esforços adicionais para bloquear o auxílio financeiro e material estrangeiro a al-Shabab, em particular pela parte do Estado Islâmico, que está a estabelecer maior influência na Africa Oriental. A SADC está a constituir um centro de luta contra o terrorismo na Tanzânia, onde responsáveis da inteligência, militares, policiais, e judiciais dos estados membros podem partilhar informação. Para serem o mais eficientes possível, será necessária a contribuição dos estados membros dos dois blocos regionais de Africa Oriental, a Comunidade da Africa Oriental e a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento, tendo em conta a propagação das redes de al-Shabab na região. A fim de facilitar essa cooperação, a UA deveria procurar facilitar a comunicação e a cooperação entre estados membros dessas regiões. Idealmente, deveria realizar uma avaliação comum do que o Estado Islâmico tem feito a leste do continente. Com essa informação, as autoridades da região estarão em melhor posição para encurralar os que ajudam al-Shabab do estrangeiro.

Enquanto essas medidas estão em curso, Moçambique continuará a precisar de auxílio externo para garantir o território que foi recuperado aos insurgentes. O exército moçambicano terá certamente de ser modernizado durante vários anos antes de se tornar capaz de garantir a segurança em Cabo Delgado e outras partes do norte do território, e os soldados do Ruanda e da SADC poderão ter de permanecer no terreno ainda durante algum tempo. Tanto o Ruanda quanto os Estados sul-africanos poderão requerer recursos financeiros adicionais para manter suas forças em Moçambique, e particularmente as tropas da SADC, que lutam para erradicar a atividade da insurgência no centro da província. A União Europeia pode, através de seu Mecanismo de Apoio à Paz, fornecer algum auxílio a curto prazo a alguns dos contribuintes de tropas, mas a União Africana deveria também ajudar, buscando mais fundos internacionais para apoiar as campanhas de luta contra a insurreição ao longo do tempo.

Maputo/Nairobi/Bruxelas, 10 Fevereiro de 2022

 

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