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Para além dos compromissos: as perspectivas de reforma na Guiné-Bissau

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Síntese

A resistência vitoriosa das autoridades bissau-guineen­ses à tentativa de golpe de Estado de 26 de Dezembro de 2011 é encorajadora. Se este episódio testemunha a dinâmica da estabilização que o país conheceu depois das agitações político-militares de 1 de Abril de 2010, esta nova estabilidade é o resultado de compromissos frágeis, incertos e muito ambíguos. Os verdadeiros desafios políticos, militares e judiciários estão ainda para vir. A morte do presidente Malam Bacai Sanhá no dia 9 de Janeiro de 2012 aumenta a incerteza. A competição inter- e intra-partidária apresenta riscos para os partidos políticos, que vão do comunitarismo à instrumentalização de facções do exército. No plano militar, a reforma do sector da segurança (RSS) está em suspenso. No plano judiciário, os assassinatos de 2009 continuam a suscitar rumores, acusações e ameaças. O reforço do regime do primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior deve ainda originar evoluções positivas para todo o país. O compromisso internacional deve manter-se, resoluto, exigente e crítico. Angola deve fazer um esforço muito especial no âmbito da comunicação, transparência e coordenação com os outros intervenientes internacionais.

A seguir a 1 de Abril de 2010, data em que o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Zamora Induta foi derrubado pelo seu adjunto António Injai, e o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior foi detido durante um breve período, foram estabelecidos compromissos entre facções políticas e militares dominantes. A dependência do país em relação à assistência internacional, sentida por todos os guineenses, e a reacção firme da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos, colocaram outros segmentos da comunidade internacional e as autoridades políticas guineenses em posição de mediação em relação aos militares. As tensões entre o campo do presidente e o do primeiro-ministro, duas figuras do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), foram-se gradualmente acalmando.

As autoridades políticas validaram a tomada do controlo do exército pelos responsáveis dos acontecimentos de 1 de Abril, o general Injai e o almirante Bubo na Tchuto, durante muito tempo considerado como sendo o homem forte do tráfico de cocaína proveniente da América latina, tendo obtido em troca o seu reconhecimento do regime civil. A agitação militar de 26 de Dezembro de 2011, que foi objecto de diversas interpretações, levou no entanto à detenção de na Tchuto, sem que tenham sido apresentadas acusações contra ele. Nesta fase sensível, Angola mostrou ser um operador decisivo. Luanda destacou uma missão militar de cooperação relativamente robusta e concedeu um apoio material ao Estado guineense, tudo isto numa relativa opacidade.

Reformas do funcionamento do Estado, conjuntura económica favorável e apoio razoável dos doadores permitiram uma tímida melhoria da situação económica e um reforço apreciável das capacidades nos sectores da polícia e da justiça. Esta melhoria veio consolidar o compromisso entre políticos e militares e reforçar a legitimidade do poder civil. Tudo isto permitiu o relançamento do desenvolvimento, bem como avanços em alguns projectos de investimentos nos promissores recursos naturais do país.

Mas o mais importante está ainda para vir. Em primeiro lugar, o país enfrenta uma série de desafios delicados. O anunciado congresso do PAIGC, partido marcado por um forte faccionalismo, o desaparecimento do presidente Sanhá a provocar a organização de um escrutínio presidencial até Março de 2012, as legislativas previstas para o fim do ano de 2012, as eleições locais que se devem seguir, as primeiras da história pós-colonial do país, são ainda incertezas. Estes desafios seguir-se-ão provavelmente à consolidação da hegemonia do PAIGC em redor do primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior. Isto coloca igualmente a questão do futuro da oposição política, que se encontra presa entre impotência e radicalização, marginalização e recurso militar. Esta situação difícil forçou uma parte da oposição a aproveitar os espectaculares assassinatos políticos de 2009, ainda não esclarecidos, para atacar o primeiro-ministro.

Coloca-se também a questão das reformas estruturais que devem tornar o Estado viável e capaz de impulsionar o desenvolvimento de todo o país, e em particular a RSS. Mas a incerteza continua a existir sobre o estado do exército: poderá ser realizada a desmobilização de 2500 militares conforme previsto? O poder civil, desempenhando as suas obrigações melhor do que anteriormente, terá conseguido assegurar a obediência do exército? A articulação, imposta pela comunidade internacional, entre a reforma do exército e a exoneração dos chefes militares mais controversos, poderá pôr em perigo o processo? A presença militar angolana e a possibilidade de uma intervenção internacional mais robusta terão verdadeiramente modificado a perspectiva dos chefes militares? Todas estas interrogações, combinadas com a inquietação suscitada pelo crescente poderio de Angola junto de determinados parceiros importantes, e em particular a Nigéria e o Senegal, retardam o apoio internacional à reforma, em particular a implementação dos fundos de pensões necessários, e enfraquecem a sua credibilidade.

A hegemonia que trabalham para construir o primeiro-ministro e o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas com o apoio angolano, deve romper sem ambiguidade com o narcotráfico e a impunidade, para dispor de uma verdadeira legitimidade, responder às aspirações da população civil e à preocupação da comunidade internacional, e tratar de maneira conveniente a história complexa das relações entre poderes civil e militar e a politização da etnicidade balanta. É necessária uma eficácia burocrática e contra-poderes credíveis e construtivos. Um trabalho a longo prazo sobre a formação, e um reforço das capacidades dos partidos políticos, são particularmente importantes. A atenção ao jogo político, à esfera militar e ao tráfico de droga não deve fazer esquecer as questões de mais longo prazo, como a governança, o controlo económico e a articulação entre a capital e o resto do país, problemas eminentemente políticos. Os intervenientes regionais e internacionais devem estar atentos e abertos mas igualmente fixar salvaguardas à concentração do poder político e económico.

Dakar/Bruxelas, 23 de Janeiro de 2012

Executive Summary

The successful resistance of the Bissau-Guinean authorities to an attempted coup on 26 December 2011 is encouraging. It confirms the stabilisation the country has been experiencing since the political and military turmoil of 1 April 2010. However, this relative stability is the outcome of fragile, uncertain and very ambiguous compromises. Crucial political, military and judicial challenges still lie ahead. The death of President Malam Bacai Sanhá on 9 January 2012 raises questions over the country’s future. Political parties will have to manage inter- and intra-party competition and resist the temptation to harp on inter-communal tensions and the manipulation of army factions. Security sector reform (SSR) is pending, while the March and June 2009 assassinations still generate rumours, accusations and threats. Prime Minister Carlos Gomes Júnior’s regime, while solid, has yet to improve the country’s overall situation. International involvement must remain steady, sustained and critical. Angola must do more to improve communication, transparency and coordination with other international actors.

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The dominant political and military factions reached a tacit agreement in the wake of the overthrow of army Chief of Staff Zamora Induta by his deputy António Injai and the brief arrest of Prime Minister Carlos Gomes Júnior on 1 April 2010. The country’s dependence on international assistance, which is recognised by ordinary Guineans, and the firm response of the European Union (EU) and the U.S., have strengthened the hand of other international actors and the Guinean authorities to negotiate with the military. Tensions between the late president’s and the prime minister’s camps, both members of the Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), have gradually diminished.

The leaders of the 1 April 2010 events, General Injai and Admiral Bubo na Tchuto – long regarded as the strongman of cocaine trafficking from Latin America – have both recognised the legitimacy of the civilian rule, in exchange for a validation of their leadership over the army. The 26 December 2011 military unrest, which is subject to several interpretations, has, however, led to the arrest of na Tchuto without charges being brought against him. Angola has proven a key player during this delicate period. Luanda has deployed – albeit with a crucial lack of transparency – a robust military cooperation mission and provided material support to the Guinean state.

State reforms, favourable economic conditions and significant donor support have also slightly improved the economy and strengthened police and justice capacities. This has consolidated the tacit agreement between politicians and the army top brass and the legitimacy of the civilian leadership. A resumption of development has ensued, as well as some progress in investment plans in a promising natural resource sector.

But the most important developments have yet to come. The country faces daunting political hurdles: the PAIGC’s forthcoming congress and its factionalism; the death of President Sanhá and presidential elections which should be held by March 2012; the legislative elections scheduled for the end of the year; and the subsequent local elections – the first in the country’s post-colonial history. These milestones will likely consolidate the hegemony of the PAIGC and the prime minister. The future of a marginalised opposition hangs in the balance, as it may be tempted by radicalisation and resort to force. Some opposition parties are using recent tensions to capitalise on the unresolved political assassinations of 2009 and defy the prime minister.

Structural reforms to strengthen the state and foster development, especially SSR, represent another challenge. The future of the army is uncertain. Can 2,500 soldiers demobilise as scheduled? Will the military abide by rule by civilians who have fulfilled their obligations better than before with regards to the army? Does the international community’s condition that controversial military leaders step down endanger reforms? Have the Angolan military presence and the likelihood of more robust international intervention really changed those leaders’ calculations? All these questions, combined with concerns, notably from Nigeria and Senegal, about Angola’s growing leadership, delay and weaken international support for wider reforms, particularly regarding the much needed pension fund.

The Angola-backed domination of the prime minister and the army chief of staff must make a clean break from drug trafficking and impunity. Doing so will win them legitimacy, meet the aspirations of the population, relieve international concerns, and address both the complex history of civilian-military relations and the politicisation of the Balanta ethnic identity. An efficient bureaucracy and credible checks and balances are urgently needed. Education and capacity building of the political parties are particularly important over the long-term. Political and military woes and drug trafficking should not obscure other prominent, structural problems, such as governance, economic control and the inequality between the capital and the rest of the country. Regional and international actors should keep a critical eye on the concentration of political and economic power by Guinean elites.

Dakar/Brussels, 23 January 2012

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