Após crise na Líbia, rebeldes ganham força no Mali
Após crise na Líbia, rebeldes ganham força no Mali
What Future for UN Peacekeeping in Africa after Mali Shutters Its Mission?
What Future for UN Peacekeeping in Africa after Mali Shutters Its Mission?
Op-Ed / Africa 3 minutes

Após crise na Líbia, rebeldes ganham força no Mali

Nos últimos 20 anos, o Mali em geral foi um modelo de estabilidade em uma região frágil. Agora, está caindo aos pedaços. Rebeldes controlam o norte do país e estão privando os moradores locais de sua liberdade. Destruíram monumentos religiosos e muita gente teme que a região se tenha tornado um novo refúgio para terroristas, alguns dos quais sequestraram turistas ocidentais nos últimos anos. Os vizinhos do Mali e alguns membros da comunidade internacional, entre os quais a França, estão se inclinando ao uso da força como melhor solução. Mas uma intervenção militar imediata seria imprudente, quase certamente provocaria um afastamento ainda maior entre as comunidades do sul e do norte e desestabilizaria ainda mais o oeste da África e a região do Sahel.

Os acontecimentos vêm se sucedendo com rapidez no Mali. Em poucos meses, os rebeldes, estimulados pela crise na Líbia, expulsaram as forças do Exército e se tornaram um fator poderoso no norte. O presidente foi deposto por um golpe militar. Seu sucessor foi espancado e voou à França para tratamento médico. As razões do colapso são as fracas instituições políticas e de segurança, a despeito da democracia eleitoral, e as queixas históricas do norte, somadas a fatores externos como a insegurança regional gerada pelo conflito na Líbia. Grupos militantes, entre os quais facções da Al Qaeda, não demoraram a aproveitar a oportunidade para capturar vastos territórios. Islâmicos ameaçam destruir os locais que formam parte do patrimônio cultural da humanidade na cidade histórica de Timbuktu, e a tentação de responder com o uso de força é intensa. Mas o governo, o exército, os vizinhos do Mali e a comunidade internacional deveriam primeiro tentar o diálogo político, para estabelecer fundações firmes sobre as quais reconstruir o Estado.

A sociedade do Mali, com seu grande número de milícias e tribos no norte e um governo fraco em Bamako, seria solapada por uma demonstração de força. Até sua derrubada em março, o presidente Amadou Toumani Touré dependia de uma rede de contatos pessoais e de alianças formadas por compadrio para controlar as regiões distantes, em lugar de instituições democráticas fortes. Era uma solução de baixo custo que mantinha sob controle os grupos armados, cujas ambições eram limitadas. Mas os acontecimentos na Líbia fizeram dos rebeldes tuaregues uma força bem equipada. Mais tarde, eles terminaram expulsos por uma aliança de movimentos islâmicos - liderada por Ansar Dine, da Al Qaeda no Maghreb Islâmico (AQMI) - que adquiriram armas com dinheiro ganho em anos de tráfico e sequestros.

Depois da derrubada de Touré, o grupo regional Ecowas e a junta militar fecharam acordo para a posse de um governo provisório em Bamako. Mas os líderes do golpe mantiveram a força e a administração precária vem enfrentando dificuldades para superar as profundas fissuras do Mali, o que causa um vácuo político, institucional e de segurança. É por isso que um governo de união legítimo precisa ser formado, com base em amplas consultas com os principais partidos políticos e grupos da sociedade civil.

Assim que a integridade do Estado central for restaurada, e suas fundações políticas, institucionais e de segurança escoradas, pode começar o trabalho de reintegração do norte à república. Enquanto isso, assistência alimentar é extremamente necessária, e as forças de segurança precisam ser reformadas para que garantam a segurança das instituições e líderes do Mali e ponham fim às detenções arbitrárias.

Cresce a pressão por uma intervenção internacional armada, mas é preciso resistir a esses apelos. É comum que eles respondam aos interesses políticos e de segurança de países vizinhos e de outras regiões, e pouco fazem para defender os interesses do povo do Mali, quer do norte, quer do sul. As questões de segurança não devem ser ignoradas, mas os países prontos a enviar tropas parecem subestimar com que rapidez e força os grupos tribais passariam ao acerto de contas caso uma força estrangeira intervenha. A força armada poderia fazer do Mali uma nova frente na "guerra contra o terrorismo", mas ignoraria as antigas e legítimas demandas políticas existentes e descartaria qualquer chance de coexistência pacífica entre as comunidades. Não só isso, mas a intervenção poderia expor uma região despreparada a represálias em forma de ataques terroristas.

Os males políticos do Mali têm raízes profundas e a influência de vizinhos como a Mauritânia e especialmente a Argélia também complica o quadro. Os fatores por trás da crise se entrelaçam em nível local, nacional e até internacional. A complexidade dos eventos e forças envolvidas precisa ser compreendida e considerada antes que seja empreendida uma ação militar para resolver os problemas do Mali. Nada poderia ser pior, ou mais perigoso, que aplicar a lógica exclusiva da força para tentar uma campanha de combate ao terrorismo sem considerar as nuanças políticas, necessidades e demandas de todos os agentes, grupos e povos. As partes dispostas a negociar deveriam receber apoio e assistência para que se façam ouvir, e a linha dura precisa ser neutralizada. Esses são os desafios que precisam ser enfrentados primeiro se desejamos que o Mali saia dessa crise sem um conflito generalizado. A luta contra grupos terroristas claramente identificados pode ser travada assim que as fundações para um estado tiverem sido assentadas.

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