Briefing / Asia 3 minutes

Veteranos de Timor-Leste: uma luta inacabada?

Breve Descrição

Mais de dez anos após a formação do exército de Timor-Leste e da desmobilização das forças de guerrilha que lutaram pela independência, mantém-se acesa a disputa sobre a forma de homenagear os veteranos. O país, cada vez mais rico, conseguiu, mediante o pagamento de um sistema dispendioso de prestações em dinheiro, anular a ameaça suscitada em tempos pela generalidade dos dissidentes, tendo conseguido integrar a voz da maioria dos veteranos nas políticas dominantes. Esta abordagem veio criar um encargo financeiro pesado e um processo complicado de habilitação dos beneficiários que irá criar novas tensões ao mesmo tempo que resolve outras. Mais difícil de resolver é a questão da contenção das pressões no sentido de conferir a estes veteranos uma influência política exagerada e um papel formal ao nível das forças de segurança. Há que conseguir um equilíbrio cuidadoso entre o reconhecimento dos heróis e a criação de condições que permitam o desenvolvimento de uma geração de dirigentes mais jovens para os substituir. Se tal não for conseguido, há o risco de a transferência de poderes entre gerações, tão necessária à estabilidade do país a longo prazo, ficar bloqueada.

A questão de saber quem e quantos podem beneficiar do estatuto de veterano continua a ser um tema difícil, com implicações políticas. Os contributos de centenas de combatentes das Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste (Falintil), que incluíam o braço armado durante o período de 24 anos de resistência à ocupação indonésia, são os mais claros. Uma frente diplomática bem conhecida e bastante menos numerosa percorreu os corredores da ONU em Nova Iorque e em várias capitais para assegurar que o resto do mundo nunca iria esquecer o seu combate. À medida que a resistência se ia desenvolvendo, surgiu uma frente clandestina que fazia parte integrante da luta pela independência, que fazia contrabando de fornecimentos destinados à guerrilha, captando a atenção da comunicação social e frustrando os esforços dos serviços secretos indonésios. Apesar de este último grupo ser o mais numeroso, os contributos de muitos destes homens e mulheres permaneceram desconhecidos mesmo entre os próprios, pois o seu trabalho desenvolvia-se na clandestinidade.

Desde a independência, foi criada toda uma série de comissões e leis com o objectivo de proceder ao registo e prestar homenagem a este movimento largamente indocumentado. Estes esforços têm-se orientado cada vez mais no sentido da compensação, tendo sido afectados $72 milhões (6% do orçamento do Estado) a prestações para veteranos em 2011. Apesar de a promessa de dinheiro ter diminuído o descontentamento entre os antigos combatentes dissidentes da Falintil, também trouxe consigo uma maré de pedidos aparentemente falsos de supostos combatentes, impossibilitando a elaboração de uma lista definitiva de veteranos. Uma decisão de “reactivação das estruturas da resistência” que visava reforçar a legitimidade desses pedidos não conseguiu resolver o problema. A decisão sobre os processos menos claros tem sido adiada, no pressuposto de que os pedidos fraudulentos serão revelados através de denúncia quando as listas forem publicadas. Apesar da possibilidade de recurso, está a surgir um novo descontentamento que vai exigir mediação.

Para além das prestações em dinheiro, há dois domínios em que as exigências dos veteranos no sentido de uma maior influência terão de ser analisadas. O primeiro consiste no mandato e forma de um conselho de veteranos que foi proposto e cujo papel principal será a assessoria em matéria de prestações, bem como a função de legitimação institucional. Alguns veteranos esperam que seja conferida ao dito conselho uma dimensão consultiva, que lhes permita dar orientações às políticas do governo e cimentar o seu estatuto de elite. Um mandato tão alargado parece improvável, mas a ilusão de que poderá vir a ser dado um maior poder de influência aos veteranos terá provavelmente favorecido a imagem do governo no período que antecede as eleições do próximo ano. Poderá também ser útil como elo de ligação útil com os grupos de dissidentes que, até aqui, se têm mantido afastados da política eleitoral.

A segunda decisão envolve a atribuição, ou não, de um papel formal aos veteranos da Falintil nas forças de segurança na defesa do Estado. A ser criada, esta função irá provavelmente assumir a forma de uma força militar de reserva, conforme previsto na legislação existente. Se é verdade que um papel cerimonial para a Falintil reconheceria o importante legado do exército de guerrilha, o governo não deve utilizar os veteranos para constituir uma reserva formal. O perigo de os armar ficou bem claro quando ocorreram os episódios de violência na crise de 2006, em que os veteranos faziam parte de diferentes facções opostas armadas por instituições do Estado. Não eram uma força disciplinada nem unida, e fizeram aumentar a violência em vez de a controlarem.

O Estado continua a ter perante si um desafio difícil de equilibrar as exigências de reconhecimento manifestadas pelos veteranos e os esforços no sentido da promoção de instituições sólidas e independentes. Só com um equilíbrio correcto será possível uma transferência de poderes da “Geração de 75”, que trouxe a independência ao país e que ainda está agarrada ao poder. A política timorense e as suas instituições do sector da segurança estão sob o comando de um pequeno grupo de personalidades, em vez de estarem vinculadas por normas jurídicas. Num contexto de chefias que registou poucas mudanças de fundo desde antes da independência, a recente demissão do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Taur Matan Ruak, poderá ainda vir a revelar-se como um passo importante no sentido da sucessão geracional. Tal como as chefias militares se vêem agora obrigadas a evoluir, também os políticos do país terão de o fazer.

Os doadores têm um papel limitado a desempenhar em termos de influenciar as políticas relativamente aos antigos combatentes, mas os desafios suscitados pelo sistema de pensões dos veteranos vêm sublinhar a dificuldade da concepção de programas de transferências monetárias que sejam menos susceptíveis às fraudes. Este é um dos domínios onde seria útil o apoio técnico externo.

 

I. Overview

More than ten years after the formation of Timor-Leste’s army and the demobilisation of the guerrilla force that fought for independence, the struggle continues about how to pay tribute to the veterans. The increasingly wealthy state has bought off the threat once posed by most dissidents with an expensive cash benefits scheme and succeeded in engaging most veterans’ voices in mainstream politics. This approach has created a heavy financial burden and a complicated process of determining who is eligible that will create new tensions even as it resolves others. A greater challenge lies in containing pressures to give them disproportionate political influence and a formal security role. A careful balance will need to be struck between paying homage to heroes while allowing a younger generation of leaders to grow up to replace them. Failure could block the generational transfer of power necessary for the state’s long-term stability.

The question of who and how many qualify for veteran status remains both difficult and politically charged. The contributions of hundreds of fighters of the Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste (Falintil), who comprised the armed front during the 24-year resistance to Indonesian occupation, are the most straightforward. A well-known and far smaller diplomatic front walked the corridors of the UN in New York and in capitals to ensure the outside world never forgot their struggle. As the resis­tance matured, a clandestine front emerged as an integral part of the struggle for independence, smuggling in supplies to the guerrillas, capturing media attention and frustrating Indonesian intelligence efforts. While this latter group was the most numerous, the contributions of many of these men and women remained unknown even to one another, as they worked in the shadows.

Since independence, complex arrays of commissions and laws have been formed to register and pay homage to this mostly undocumented movement. These efforts have increasingly focused on compensation with $72 million (6 per cent of the state budget) set aside for veterans’ benefits in 2011. While the promise of money has eased discontent among dissident former Falintil fighters, it has also brought a flood of apparently false claims of service, making any definitive list of veterans an unreachable goal. A decision to “reactivate resistance structures” to boost legitimacy has not solved the problem. Judgment on difficult cases has been deferred based on a belief that fraudulent claims will be revealed through denunciation once the lists are published. Even with the option to appeal, new discontent is being created that will require mediation.

Beyond cash benefits, there are two areas where veterans’ demands for greater influence will have to be checked. The first is the scope and shape of a proposed veterans’ council, whose primary role will be to consult on benefits as well as to offer a seal of institutional legitimacy. Some veterans hope it will be given an advisory dimension, allowing them to guide government policy and cementing their elite status. Such a broad role looks unlikely but the illusion that veterans might be given more influence has likely increased the government’s appeal in advance of elections next year. It could also serve as a useful bridge to dissident groups who have thus far stayed outside electoral politics.

The second decision is whether to give Falintil veterans a formal security role in defending the state. This appears most likely to come in the form of a military reserve force as foreseen in existing legislation. While a ceremonial role for Falintil would recognise the guerrilla army’s important legacy, the government should stop short of using veterans to constitute a formal reserve. The danger of arming them was made clear in the violence of the 2006 crisis, as they formed part of different opposing factions armed by state institutions. They were neither disciplined nor united, and added to the violence rather than controlled it.

The state still faces a difficult challenge in balancing veterans’ demands for recognition with efforts to promote strong and independent institutions. Only with the right balance will a shift in power be possible from the “Generation of ’75” that brought the country to independence and still holds onto power. Timorese politics and its security sector institutions remain held together by a small set of personalities rather than bound by legal rules. In a leadership environment marked by few real changes since before independence, the recent resignation of the armed forces chief, Taur Matan Ruak, may yet prove to be a big step towards generational succession. As the military’s leadership is now forced to evolve, so must the country’s politicians.

Donors have little role to play in influencing policy towards former combatants, but the challenges of the veterans’ pension system underscore the difficulty in designing cash transfer programs that are less susceptible to fraud. This is one area where outside technical help could be useful.

Dili/Jakarta/Brussels, 18 November 2011

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