A política Exterior do Brasil e da América Latina: Um Novo Capítulo?
A política Exterior do Brasil e da América Latina: Um Novo Capítulo?
Commentary / Latin America & Caribbean 5 minutes

A política Exterior do Brasil e da América Latina: Um Novo Capítulo?

A política exterior nunca teve um impacto considerável nas campanhas eleitorais do Brasil. Desde a volta da democracia em 1985, as relações internacionais do país são mais um assunto de preservação dos corpos diplomáticos competentes do que um assunto de debate público. Por tanto, não é surpresa que as recentes eleições presidenciais e do congresso foram decididas por questões domésticas e não internacionais. Contudo, o intenso debate durante a campanha em relação ao lugar do Brasil no mundo terá consequências na política exterior para os vizinhos mais próximos: a América Latina.

O padrão geral das relações do Brasil com a América Latina corresponde a um dos elementos mais tradicionais de sua política exterior em geral. Primeiro, a ênfase foi colocada no soft power (poder brando) e no multilateralismo, entendido principalmente como uma participação crescente em operações humanitárias e outras formas de influência indireta, como a forte presença das tropas brasileiras na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH). Segundo, O Brasil percebe seu papel dentro da perspectiva de equilibrar a influencia de outros poderes na América Latina, notadamente através de uma relação ambivalente com os Estados Unidos.

O ex-presidente Lula da Silva (2003-2011) acrescentou duas dimensões pessoais a esta abordagem clássica: a intensificação das relações Sul-Sul e adicionando um componente ainda mais presidencial à diplomacia. A procura de uma posição mais eminente nos assuntos internacionais – uma que correspondesse mais com as impressionantes conquistas sociais e econômicas do Brasil com um papel internacional elevado – levou ao estabelecimento do BRICs como uma associação internacional, à expansão da presença do país na África e o Oriente Médio, e na América Latina, para apoiar ativamente os novos alinhamentos regionais e sub-regionais.

Desde a volta da democracia em 1985, as relações internacionais do país são mais um assunto de preservação dos corpos diplomáticos competentes do que um assunto de debate público.

As políticas do Lula na região se manifestaram através do fortalecimento do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL, 1994) já existente, como o primeiro bloco de comércio, e do lançamento da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL, 2008) como enquadramento político. Esta última tem desempenhado um papel importante nas crises políticas e no diálogo, substituindo virtualmente à Organização dos Estados Americanos (OEA). No entanto, Lula manteve relações relativamente boas com o resto do mundo, incluindo os Estados Unidos. O Brasil desempenhou um papel decisivo na região condenando (e tentando reverter) um golpe de Estado na Honduras em 2009, mantendo seu compromisso com o multilateralismo e expandindo a ajuda financeira a países como Cuba e o Haiti.

No âmbito da retórica, a ideologia, a economia e os interesses políticos resultaram razoavelmente compatíveis. Os defensores desta série de ideias argumentam que as mudanças foram positivas, pois desafiavam as contradições do sistema político mundial da época, bem como o fato de outras regiões não terem conseguido construir uma paz internacional confiável e a “singularidade” da contribuição regional para a participação social e um novo significado da democracia. Contudo, as contradições emergiram em algumas ocasiões na tentativa de traduzir a teoria na prática. Provavelmente, a relação com a Venezuela é a mais notável delas.

O ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff não têm ocultado sua simpatia pela Revolução Bolivariana liderada pelo ex-presidente Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro. O Brasil fez um grande esforço para que a Venezuela fosse admitida como membro do MERCOSUL, em um lance que não tinha muito a ver com cálculos econômicos. Depois da morte de Chávez e da crise política ainda não resolvida desencadeada em fevereiro nas ruas de Caracas e de outras cidades de Venezuela, o Brasil relutantemente desempenhou o papel de facilitador (conjuntamente com a Colômbia e o Equador) em uma tentativa da UNASUL de oferecer uma forma de mediação. Contudo, resistiu-se realizando apelos convincentes para resolver a crise, que ainda ameaçam a estabilidade desse importante aliado político. O diálogo incipiente foi interrompido rapidamente e deste então a inércia tem dominado o cenário venezuelano.

O Brasil tem apoiado missões humanitárias na Colômbia, enviando pessoal militar desarmado e helicópteros para contribuir para o resgate de reféns retidos pelas FARC. A presidenta Rousseff tem apoiado as conversações de paz em Havana, e o Brasil e um dos cinco facilitadores das conversações preliminares com o Exército de Libertação Nacional (ELN). No entanto, seu papel em este processo histórico de paz pode ser ainda mais ativo e central. Uma razão possível para esta falta de entusiasmo foi a falta de confiança entre o ex-presidente Uribe e Lula, que desconfiava abertamente da disposição de instalações militares estadunidenses na Colômbia.
O multilateralismo faz muito bem ao discurso do Brasil nas Nações Unidas, e em seu importante papel na MINUSTAH. No entanto, há um debate em relação à importância da democracia e dos direitos humanos na formação da política exterior. A postura do Brasil no Sistema Interamericano de Direitos Humanos varia de desconfiável a completamente hostil, e a Carta Democrática Interamericana, assinada pelo Brasil em 2001, quase não é mencionada.

Alguns críticos questionam abertamente a influência do Partido dos Trabalhadores (no governo), em relação a algumas áreas da política exterior, especialmente as relações com Cuba e a Venezuela [Veja, por exemplo: “After Brazil´s election: Diehard Dilma”, The Economist, Outubro 30, 2014; “Investors Give Thumbs Down on Brazil Vote”, Wall Street Journal, Outubro 27, 2014; Andrés Oppenheimer, “¿Cambiará Brasil su política exterior?” El Nuevo Herald, Outubro 29, 2014]. Eles argumentam que as considerações políticas são prejudiciais para as oportunidades de comércio valiosas em tempos de desaceleração econômica. Por exemplo, eles dizem que o Brasil não tem sido capaz de negociar um acordo comercial com a União Europeia por conta das restrições impostas por ser membro do MERCOSUL e pela aberta hostilidade de seus parceiros em relação aos acordos de livre comércio. Eles também mencionam as tensas relações com os Estados Unidos despois das revelações sobre a espionagem política por parte de agências de inteligência diretamente contra a presidenta Rousseff. Desde este ponto de vista, a suposta falta de liderança do Brasil na crise venezuelana unicamente serviria para confirmar o efeito tóxico de enfatizar as considerações políticas e ideológicas ao invés de adotar opções mais racionais.

(...) a aspiração do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, seu desejo de incrementar o comércio e o investimento e a necessidade provável de medidas de austeridade podem ter como resultado uma revisão minuciosa de seu papel na América Latina.

No entanto, é possível argumentar que tem prevalecido uma diplomacia sutil sobre as intervenções estrondosas. De fato, o Brasil está preocupado pela Venezuela e com muita razão. Ele manobra nos bastidores para forçar Maduro a abrir o diálogo com a oposição, inclusive quando se resiste a qualquer envolvimento da OEA ou de outros atores externos no drama venezuelano. Até agora, os sinais têm sido contraditórios em relação à disposição do Brasil de intervir para evitar uma crise maior no seu entorno.

A estreita vitória de Dilma Rousseff sobre Aécio Neves pode reduzir ainda mais o alcance desse tipo de diplomacia ativa favorecida por Lula. Nesse caso, isso simplesmente representaria o restabelecimento da principal linha da política exterior do Brasil. As restrições domésticas, a maioria delas econômicas, podem forçar o governo a se tornar mais pragmático e abrir o diálogo comercial com outros aliados, apesar da resistência de seus parceiros do MERCOSUL e da UNASUL. Isto também poderia levar a uma revisão da postura do Brasil em relação à Venezuela e recalcular o risco de default e colapso econômico em Caracas. Essa reavaliação poderia forçar o governo a uma mediação mais direta sobre a crise política. Isto também encaixaria muito bem com uma espécie de reconciliação com os Estados Unidos e com as instituições hemisféricas, incluindo uma participação mais ativa no processo de paz na Colômbia.

Não deveria haver uma maior mudança em uma política exterior que tem permanecido vinculada por muito tempo com diretrizes básicas, apesar dos governos. No entanto, a aspiração do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, seu desejo de incrementar o comércio e o investimento e a necessidade provável de medidas de austeridade podem ter como resultado uma revisão minuciosa de seu papel na América Latina. O processo de tomada de decisões sem dúvida será mais complicado nos próximos anos, mas existe uma expectativa razoável de que prevalecerá o lado positivo da política exterior do Brasil, brindando oportunidades para reforçar a paz, a democracia e os direitos humanos na região, e compreender a inclusão popular e social na política, em vez de sacrificá-las no altar da ideologia.

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