Hora de acabar com as sanções contra Mianmar
Hora de acabar com as sanções contra Mianmar
Op-Ed / Asia 3 minutes

Hora de acabar com as sanções contra Mianmar

À medida que Mianmar segue adiante com sua reforma ambiciosa e abandona velhas formas de pensar, também o Ocidente deveria se propor uma mudança de mentalidade e a adoção de um enfoque mais sutil.

Após décadas de sanções e de isolamento auto-imposto, Mianmar, antes conhecida como Birmânia, está vivendo uma transição notável e, até agora, pacífica de seu regime autoritário, tomando o rumo que tanto sua população quanto a comunidade internacional pedem. As mudanças drásticas empreendidas pelo presidente Thein Sein foram endossadas pela líder da oposição, Aung San Suu Kyi, que assinalou que a motivação do mandatário foi sincera.

Liberdades políticas importantes, como o direito à organização, à reunião, o direito de expressão e de candidatar-se a um cargo político, estão sendo exercidas em um nível que teria sido impensável até mesmo um ano atrás.

O governo abandonou as políticas de confronto com as minorias étnicas, em favor de uma iniciativa de paz que resultou na assinatura de um total de 11 cessar-fogos com diferentes grupos armados. Apenas a resistência de Kachin ainda continua. Esses acordos constituem um primeiro passo animador em algo que deveria ser um esforço mais amplo de reflexão sobre como o país vê a si mesmo depois de 60 anos de guerra civil.

Suu Kyi é candidata oficial a uma vaga no Parlamento nas eleições parciais de 1º de abril. O partido que lidera, a Liga Nacional pela Democracia (LND), passou de ilegal a registrado, e sua imagem, antes proibida, agora é reproduzida aqui e ali por toda a capital. Milhares de pessoas são testemunhas de sua campanha eleitoral, e os meios de comunicação estão livres para difundi-la. As eleições para 48 das 656 cadeiras legislativas não serão perfeitas, mas a previsão é que sejam muito mais livres e justas que as polêmicas eleições de novembro de 2010.

Mas ainda há muitas coisas que precisam mudar. Décadas sem assembleia legislativa provocaram em Mianmar uma dependência excessiva das leis coloniais britânicas; como me disse um assessor governamental em Yangun na semana passada, "qualquer coisa que lhe ocorra, nós precisamos reformar". Agricultura atrasada, infraestrutura antiga, administração pública oxidada e mentalidades formadas por décadas de isolamento são aspectos que não se podem transformar facilmente da noite para o dia. A boa notícia é que muitos dos altos funcionários, a começar pelo presidente, entenderam isso e se deram conta de que o isolamento enfraqueceu o país. Estão dispostos a aceitar ajuda do exterior. Capital, know-how e novas ideias serão introduzidos de maneira acelerada, nem sempre bem projetada e nem sempre com boas intenções. Para o Ocidente, que contribuiu para a reclusão do país, o desafio será recalibrar sua resposta às iniciativas de reforma.

Tenham ou não favorecido as mudanças, as sanções existentes não ajudarão a fortalecer o impulso reformista. Em contrapartida, acabar com as sanções terá esse efeito, sim. Foram anunciadas várias mudanças importantes para poder responder às reivindicações crescentes do povo de Mianmar, assim como para preparar o país para abrigar os Jogos do Sudeste Asiático em 2013 e exercer a presidência da Associação de Nações do Sudeste Asiático em 2014. Seguindo um novo espírito democrático, o governo já está de olho em sua reeleição em 2015.

Nem ameaças nem promessas são necessárias na hora de traçar a agenda. O ceticismo e uma prudência excessiva conseguirão apenas desacelerar o processo de reformas e fazer crescer o risco de converter-se numa profecia de fracasso autocumprida. Ao invés disso, é chegado o momento de encorajar e apoiar a realização dos objetivos mútuos de abertura de Mianmar e de melhora da situação de uma população que, de modo geral, vive na pobreza. Isso vai exigir sutileza nas atuações dos governos ocidentais e um esforço político que corresponda àquele que as autoridades de Mianmar estão empreendendo.

Em primeiro lugar, seria errado procurar novas razões para manter as restrições: usar as sanções para forçar uma solução ao conflito étnico em que está envolvido o grupo armado de Kachin seria uma tática desajeitada que pressionaria unicamente o campo do governo, incentivando o outro lado a continuar lutando para melhorar o acordo. Em segundo lugar, deveria ser evitada a utilização de proibições globais em matéria de comércio, transações financeiras ou assistência ao desenvolvimento para tratar questões individuais de agendas bilaterais, como o contrabando de pessoas. Finalmente, a partir do momento em que Suu Kyi assumir seu novo papel de líder de um partido minoritário no Parlamento, com objetivos próprios para 2015, deixará de ser conveniente tomar como única referência a direção assinalada por ela e seu partido quanto a quando se devem suspender as sanções e restrições.

A comunidade internacional não deve continuar insistindo em abrir uma porta que já está aberta em Mianmar; a verdadeira dificuldade consiste em cruzar seu umbral de maneira eficaz, para chegar a um acordo quanto ao objetivo. Nem as sanções nem uma avalanche de ofertas de assistência vão funcionar. Agora é o momento de adotar um enfoque de compromisso variável que entenda e respeite a agenda doméstica e deixe de lado anos de desconfianças e estereótipos intrínsecos. Mianmar precisa de apoio para acelerar suas reformas políticas e econômicas, e, o que é mais importante para o bem de um povo que sofreu durante anos, para satisfazer expectativas compreensíveis, embora nem sempre realistas.

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