Sérvia e UE: Mladic primeiro, negociações depois
Sérvia e UE: Mladic primeiro, negociações depois
Op-Ed / Europe & Central Asia 2 minutes

Sérvia e UE: Mladic primeiro, negociações depois

Por que está Bruxelas com pressa de abandonar os seus princípios [em relação a Belgrado]? A resposta que se ouve é: Kosovo

Algures na Sérvia o arquitecto do massacre de Srebrenica em 1995, Ratko Mladic, movimenta-se livremente, gozando da protecção tácita e furtiva do Estado. Algures na Europa, provavelmente em Bruxelas, diplomatas e políticos da União Europeia (UE) estão a preparar-se para lhe darem um novo sopro de liberdade.

A procuradora-chefe do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, Carla del Ponte, vai apresentar aos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE um balanço da cooperação da Sérvia na entrega de suspeitos de crimes de guerra. O seu relatório tem significativas implicações para a política da UE nos Balcãs.

A 3 de Outubro, ela deu a entender que Belgrado não coopera plenamente, mas Bruxelas está, nos bastidores, a pressionar Del Ponte a ser mais flexível com Belgrado para que se possa assinar um Acordo de Associação e Estabilização com a Sérvia, passo crucial para as negociações de adesão. Alguns dizem até que a Sérvia deve avançar já para o estatuto de candidato a membro, apesar do facto de esta continuar a não respeitar um dos principais critérios da UE: a captura de presumíveis criminosos de guerra, e de Mladic em particular.

Então, por que está Bruxelas com pressa de abandonar os seus princípios? A resposta que se ouve é: Kosovo. A UE está muito dividida em relação à independência do Kosovo, que deverá ser declarada por Pristina em 2008 sem uma resolução do Conselho de Segurança. Alguns Estados-membros - Grécia, Chipre, Eslováquia e Roménia - opõem-se ao reconhecimento de um Kosovo independente nessas condições, e só relutantes permitirão que a UE crie uma missão civil para substituir a missão da ONU, e isso apenas na condição de a UE mostrar boa vontade em relação a Belgrado. Outros, embora se revelem interessados numa resolução do Conselho de Segurança, estão dispostos a reconhecer um Kosovo independente, mas entendem que Bruxelas deve compensar a Sérvia através de um processo rápido de adesão à União. O resultado é uma trágica desorientação.

Para fazer avançar Belgrado no processo de adesão, a UE terá de abandonar princípios e condições que exige aos outros países nos Balcãs. A Bósnia, a Croácia, a Macedónia e o Montenegro fizeram todos sacrifícios com vista à integração europeia. A grande custo, a Bósnia cumpriu todos os critérios de estabilização, excepto a reforma da Polícia. A Croácia teve de prender todos os seus suspeitos criminosos de guerra, num processo que abalou os seus serviços judiciários e de espionagem. A Macedónia acaba de empreender numerosas e dolorosas reformas, e também se sujeitou à jurisdição do Tribunal de Haia. O Montenegro iniciou um duro processo de reformas e coopera com Haia.

Belgrado, por seu turno, continua a dar abrigo a Mladic e, possivelmente, a Radovan Karadzic, o líder político dos sérvios bósnios. Há anos que é um segredo de polichinelo entre a elite política da Sérvia que Mladic é intocável. Nada mudou. Por isso, deixar impor condições à Sérvia é dizer aos seus vizinhos que as regras e os princípios não interessam, perdendo a UE o pouco poder que tem sobre Belgrado. Vai encorajar os políticos bósnios a obstruir a reforma da Polícia. Vai encorajar os croatas a arrastar os pés no regresso dos retornados e indemnizações. Vai dizer à Macedónia e ao Montenegro que podem aldrabar o processo de adesão. Vai dizer ao Kosovo que não precisa de levar a sério a aplicação das directrizes que constam do plano da ONU para uma independência supervisionada. Todos esses países sentirão ainda que há dois pesos e duas medidas.

Abdicar dos princípios não resultará. Não vai mudar a política de Belgrado em relação a Haia nem ao Kosovo. E a linha dura nacionalista sentir-se-á vingada, o que enfraquecerá as forças democráticas sérvias.

A Sérvia não pode aproximar-se da Europa enquanto proteger Mladic e Karadzic - e só ela pode libertar-se desses cadeados. A mensagem tem pois de ser clara: sem Mladic não há Acordo de Estabilização.

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